Duas Guerras

Resenha do filme Repórteres de Guerra

Gustavo Franca Maia

Foto: Divulgação
O filme retrata os bastidores do que foi cobrir o intenso conflito que rendeu fama aos fotógrafos, mostrando como lidavam com as questões socioculturais e a condição de violência e miséria em que se encontravam suas fontes. Os repórteres, apesar do dilema de 'intervir ou apenas fotografar', procuravam não se envolver emocionalmente com os problemas enfrentados pela população que fotografavam, se atendo apenas ao dever de registrar e reportar os fatos. Para se livrarem de seus fantasmas - muita cerveja, sexo e balada parecia ser a receita repetida regularmente, quase que de maneira ritual.
Indo contra a corrente, Greg Marinovich, recém incorporado ao grupo, não se conforma em apenas registrar as mazelas dos guetos sul-africanos, sem tentar impedir as crueldades que presencia, e busca um maior contato com suas fontes, procurando compreender suas motivações e os eventos prévios que desencadearam aquela condição, o que quase lhe custa a vida por diversas vezes. Logo, vê-se em um conflito interno sobre qual sua real função naquele cenário – se de explorador da miséria alheia, ou de alguém que pode efetivamente contribuir para a resolução dos problemas existentes.
Apesar de atuarem como fotógrafos freelance para agências de notícias internacionais, possuíam vínculo empregatício com o jornal The Star, em Joanesburgo, o que de certa forma lhes rendia uma maior segurança jurídica e autonomia financeira. Como nem sempre emplacavam uma foto no jornal, a obstinação por um 'clic' digno de capa era a meta diária de cada um, o que acabou acarretando uma espécie de “evolução” na qualidade da fotografia, de forma que dois deles – Kevin e Greg, tiveram seus trabalhos reconhecidos com o maior prêmio da fotografia, o tão sonhado Pulitzer.
Kevin, que se suicidaria meses após receber o prêmio, deixou seu legado que suscita debates até hoje - a fotografia da garota sudanesa sendo espreitada por um abutre reacende o debate sobre qual seria a postura do fotógrafo ante uma situação de risco eminente onde se faz necessária a escolha entre fotografar ou socorrer.
Ken morreu atingido acidentalmente por militares da ONU durante cobertura dos conflitos, pouco antes das primeiras eleições gerais da África do Sul, em 1994.
Greg, apesar de ter sido atingido juntamente com Ken, sobreviveu, tendo sido premiado diversas vezes por seu trabalho como fotógrafo de guerra. Hoje Greg tem 54 anos e é professor de jornalismo na Universidade de Boston.
O português João Silva, único do grupo que não nasceu na África do Sul, também recebeu vários prêmios posteriormente com suas fotografias, sendo agraciado pelo governo de Portugal com a Ordem da Liberdade, o alto reconhecimento a quem contribui sobremaneira à evolução da dignidade humana.

Em 2010, enquanto fotografava no Afeganistão, João foi atingido por uma mina terrestre, perdendo parcialmente as pernas. Atualmente, com 50 anos, vive na África do Sul com sua família.
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